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QUEM SAIR

POR ÚLTIMO APAGA

A LUA

Nas ruas sob os postes, caminham pés. Eles passam nas vias  com as pupilas dilatadas pela pouca claridade. O vazio das calçadas apressa o ritmo das passadas e eles seguem para a rotina do noite a noite. Um expediente no avesso. Compartilham idas e vindas e perdas e família. No escuro, existe alguém além dos postes, das ruas e do canto das corujas. 

MINI EDITORIAL trabalh

[20:45]

condutor, não motorista

CINDY DAMASCENO

8%

dos brasileiros com ocupação trabalham à noite

P-Nad Contínua 2017

Quando o carro de Gervânio começa a aquecer para sair, o relógio está perto de marcar nove da noite. “3,623 viagens, 95% de madrugada” ele mostra, na tela do celular, o aplicativo de motorista da Uber. Quase cinco estrelas e uma centena de comentários positivos. A luz do visor brilha forte no painel escuro do carro, iluminando os bancos bem cuidados. “Para muitos eu sou apenas um motorista mas pra mim eu sou um condutor.” 

 

E sai noite à fora. Já está na rua quando sobe a madrugada. Em dois anos de plataforma, Gervânio recebeu muita gente no carro que é igual a ele: parte de uma Fortaleza que se acostumou a andar embaixo das luzes dos postes. Correm atrás de fechar o orçamento no fim do mês. “Eu fui lá dentro da Granja Lisboa pegar um casal para ir para feira da José Avelino para trabalhar.” Outra deslizada na tela e mais uma dezena de boas avaliações. “Eram três horas da manhã.  A mulher vai trabalhar, ela precisa ir vender as roupas. Se eu me dispus a fazer esse trabalho de Uber, eu vou fazer.”

 

Em casa, quem espera a volta de Gervânio é Leonir, a esposa, e Laís, a filha de cinco anos. A dedicação pela família é que está por trás das viagens noite à dentro. É por isso que trabalhar de madrugada foi pensado a partir da rotina do casal. Alguém precisava ficar com a pequena no horário da tarde, enquanto Leonir se preparava para concluir a faculdade de fisioterapia. 

 

“Foi a opção que eu tive de dar o suporte, de ficar com a minha filha.”

GERVÂNIO CUNHA

É UBER

Ele já vem de um tempo na rotina noturna. Trabalhou seis anos no sistema socioeducativo. Lá, o cargo noturno era medalha de confiança. "Nós trabalhávamos no noturno sabendo que aquela equipe noturna é uma equipe mais apta a fazer aquele papel e aquela função." O expediente anterior parece ter acostumado o corpo para um horário no inverso. "Todo dia é assim. Eu chego em casa seis horas da manhã, espero uma, huas horas, e já me preparo para levar a Laís para escolinha. Não tenho problema de sono, não, mas eu sinto

E sente no corpo. "Passo 8 horas no GPS do carro. Quando você para, parece que você chega assim com aquela coisa dentro da sua visão." Tem dias que o cansaço aperta. "Você começa a entender as coisas diferenciadas. Ao invés de olhar para o número da casa você passou o número sem ser o que você tava olhando." 

Essa rotina, iluminada por postes, permite pequenas recompensas. É o que move Gervânio, o condutor — não motorista.

+   VEJA

[23:30]

Duas Diellens

GUILHERME GOMES

Assim como as músicas que toca, a rotina de Diellen Menezes também é agitada. Diversas maquiagens estão espalhadas pela cama enquanto ela se produz para a festa em que irá tocar, a “Fica Vai Ter Funk”. Com a temática de Halloween, seu amigo Vinícius delineia os primeiros traços de uma caveira em seu rosto. A maquiagem escolhida baseia-se no “Dia de los Muertos”, e ela parece tensa e um pouco nervosa. “É como se eu fosse duas pessoas. A Diellen da noite, a Diellen do dia. De dia, eu faço faculdade, sou dona de casa, sou formada em administração. E aí meu dia a dia na semana é normal. Agora, à noite, eu tenho que esconder todos os problemas, colocar um sorriso na cara e fazer meu trabalho”, ela diz, já demonstrando lampejos de confiança após a maquiagem estar finalizada.

Segundo Diellen, a vontade de ser DJ nasceu aos 18 anos, graças ao seu pai. Dono de uma casa de show, permitia que a filha acompanhasse algumas das festas por insistência dela. A cada festa que ia, a curiosidade de saber o que estava rolando crescia cada vez mais. Então um amigo começou a tocar, e não demorou para que ambos passassem a trocar ideias até que a de ser DJ estivesse plantada com firmeza em sua cabeça.

Embora carregue o estigma de ser considerado um trabalho informal, ser DJ exige estudo e profissionalização. Iniciando sua carreira em 2012, Diellen conta que passou a trabalhar na área administrativa de uma casa de shows e pouco tempo depois já estava tocando seus sets no palco. Embora tivesse adquirido um conhecimento básico na prática, isso não a impediu de começar um curso profissionalizante com o DJ Itaquê no mesmo ano.

Dentre as dificuldades encontradas na profissão, Diellen afirma que ser mulher é uma delas. O mercado de trabalho para este tipo de profissão, assim como inúmeras outras, conta com um percentual gigantesco de homens inseridos, o que também configura um cenário potencialmente machista e de difícil acesso. Conquistar seu espaço também parece difícil quando sempre existe alguém próximo dos produtores, mesmo sem ter o mesmo nível de profissionalização, para substituí-la. “Ah, é meu amigo, ah não sei o quê”, ela exemplifica. Os pedidos para abaixar o cachê também contam para a desvalorização da profissão.

Além disso, o cuidado e o transporte dos equipamentos também ocupam um espaço nas dificuldades listadas. Geralmente todo o equipamento fica por conta do DJ, com exceção das caixas de som que podem ser alugadas. Diellen menciona que carregar o equipamento pesado é cansativo, além de poder causar problemas de saúde se a longo prazo. “Na maioria das vezes eu vou sozinha [para as festas]. Inclusive, fui tocar no interior uma vez em Aratuba. Foram 4 horas de festa. Na volta, tentaram me assaltar. Caras em quatro motos”, relembra.

Abrir mão de datas importantes também é uma característica muito presente na vida de quem trabalha à noite. “Tinha vezes que eu tive que abrir mão de Réveillon, Natal. [...] Tive que abrir mão de família, de viagens. EU sempre sou muito família e abrir mão disso é complicado“.

Ser DJ, embora carregue inúmeras dificuldades, também tem seus momentos gratificantes. Diellen sorri, um pouco tímida, enquanto relembra as partes que a fazem prosseguir na profissão. “Eu acho muito gratificante principalmente quando eu sou reconhecida pelo meu trabalho. Ah, adorei teu set hoje. Tem dias que eu vou com vários problemas e vem alguém e me abraça e é muito enriquecedor”.

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